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Categorias do post: Agronegócio, Blog
Temas do post: #agro, #agronegocio, #investidor, #investimento
Quando ouvimos pela TV que Estados Unidos e China finalmente “fizeram as pazes”, ou que a União Europeia e o Mercosul fecharam um acordo comercial, ou lemos na Internet que o dólar teve outra alta, pode ser que de início não nos atentemos para o reflexo que esse tipo de notícia tem “da porteira para dentro” da propriedade agrícola.
É provável, portanto, que você agora esteja se perguntando: “quais fatores de ocorrência internacional podem repercutir, de forma mais importante, sobre a minha produção”? Ou ainda: “se não produzo essencialmente para o mercado exportador, como isso me diz respeito?”. Perguntas bem pertinentes, caro leitor, e que tentaremos responder ao longo das linhas que seguem.
Mais do que nunca, o mundo atual constitui uma profunda teia globalizada, onde os eventos que marcam o cenário dito “externo” não passam em branco em nenhum contexto local, tendo em vista a cadeia de ligações e conexões que se processa, em grande medida, pelo comércio. Pode parecer, no entanto, que quem não se interliga ao comércio internacional diretamente está alheio aos acontecimentos mais globais, o que, na verdade, configura um grande engano. Afinal, no auge do capitalismo financeiro em sua roupagem informacional, o isolamento em relação aos acontecimentos no resto do mundo é mera utopia!
Então, por exemplo, digamos que você não trabalha com produtos exportáveis e, portanto, imagina que a alta do dólar em nada influencia sua produção, correto? Errado! A alta do dólar (desvalorização do real), que tem se processado de forma acentuada nos últimos meses, implica em elevação do preço de insumos importantes para a lavoura, como os fertilizantes e defensivos agrícolas que são indexados a esta moeda. Ou seja, a valorização do dólar perante o real traz o incômodo do encarecimento dos custos de produção – tendo em vista que parte expressiva dos insumos agrícolas é importada – repercutindo de forma mais negativa no caso das culturas de comércio doméstico.
Elaboração própria com dados do Ipeadata.
Por outro lado, a desvalorização da moeda nacional tem impactos positivos para os produtores exportadores, uma vez que os produtos são transacionados em dólar, o que significa que quem exporta receberá mais em reais pelo que está vendendo. A propósito, pesquisas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) sugerem que uma elevação do dólar tende a favorecer o agronegócio brasileiro, de um modo geral. Segundo esses estudos, o incremento da renda bruta (devido ao aumento da receita convertida em reais) supera o crescimento dos custos.
No dia 31/01/2020, os jornais noticiaram que o dólar alcançou seu maior valor histórico nominal (sem descontar a inflação). Diante desse cenário, e considerada a volatilidade da moeda, quem está no agronegócio tem que aprender a lidar com o risco cambial. Uma possível estratégia envolve realizar a compra dos insumos no mesmo dia que vender os produtos, de modo que ambas as negociações sejam feitas com o dólar no mesmo patamar.
A esta altura, já entendemos as consequências da taxa de câmbio para o produtor rural, mas e quanto aos acordos comerciais internacionais? Mesmo que não envolvam o Brasil, eles nos atingem de algum modo? Pois bem, vamos falar de uma relação complexa: Estados Unidos e China! Depois de travarem uma verdadeira batalha comercial por quase dois anos, com disputas tarifárias e retaliações, finalmente, no dia 15 de janeiro os dois países assinaram um acordo, no qual a China se compromete a comprar US$ 200 bilhões em bens e serviços dos EUA e a proteger a propriedade intelectual de firmas norte-americanas, ao passo que os EUA reduzem suas tarifas de 15% para 7,5% sobre U$110 bilhões de produtos chineses importados.
A compra de produtos dos EUA pela China inclui itens do setor agropecuário, como soja, carne bovina, suína, aves, entre outros do tipo. Nesse sentido, considerando que a China é o principal importador dos produtos brasileiros (majoritariamente agropecuários), esse acordo pode ter impactos negativos para as nossas exportações, sobretudo no que diz respeito à soja. A verdade é que o Brasil se beneficiou bastante do período conflituoso entre os dois países, conquistando uma importante fatia do mercado chinês. Pra se ter ideia, na Região Intermediária de Uberlândia (que compreende 24 municípios distribuídos entre as regiões imediatas de Ituiutaba, Monte Carmelo e Uberlândia), as nossas exportações para a China somaram cerca de 191 milhões de dólares, apenas no segundo quadrimestre do ano de 2019!
Os principais produtos da pauta de exportações da nossa região intermediária foram: a carne bovina, a soja, o farelo de soja, o milho e o café, segundo os dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Esses produtos são comumente chamados de commodities, cujos preços são determinados internacionalmente pela lei da procura e oferta. Entre 2003 e 2011 os preços das commodities experimentaram significativa valorização (no caso dos agrícolas, o início dessa trajetória se deu em 2006). Entre 2011 e 2014, no entanto, verificou-se queda das taxas de crescimento dos preços das commodities e uma leve redução de sua volatilidade. Desde então, os preços desses produtos já não gozam de uma fase tão próspera quanto a do boom observado na primeira década dos anos 2000.
Mas, as exportações de produtos agrícolas não dependem somente do preço internacional das commodities, mas também da quantidade de bens que outros países importam de nós, quantidade esta que pode variar em função da renda mundial ou, em outras palavras, do crescimento econômico dos países que compram do Brasil. Ou seja, o crescimento dos nossos parceiros comerciais repercute positivamente sobre as nossas exportações. Neste contexto, a literatura econômica sugere que os países devem estar preparados para atender demandas adicionais, a partir de boa infraestrutura e tecnologia coerente que lhes permitam aumentar a produção em períodos de crescimento da demanda mundial, a fim de que concorrentes não se sobressaiam e se apropriem do market-share (“International Competitiveness”, Jan Fagerberg, 1988).
Neste sentido, o relatório recente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), intitulado “Projeções do Agronegócio – Brasil 2018/19 a 2028/2029”, aponta que: “O crescimento da produção agrícola no Brasil deve continuar ocorrendo com base na produtividade. Em grãos, esse fato é verificado ao observar que para os próximos dez anos, a produção está prevista par crescer 26,8% e a área plantada, 15,3%” (p.93). Com base nessa tendência de elevado incremento da produtividade agrícola, podemos apostar que o Brasil estará em condições de se aproveitar de um novo aquecimento da demanda mundial, aumentando seu market-share.
Também cabe chamar atenção para o fato de que o aumento da demanda externa por nossos produtos pode ocasionar o aumento de preços desses produtos no mercado interno, como aconteceu recentemente com a carne!
Enfim, à medida que um país está interligado ao comércio internacional – dependendo de exportações que são fundamentais para o fechamento do Balanço de Pagamentos nacional, ou de importações para o próprio desenvolvimento da produção –, somos todos atingidos de algum modo pelo que ocorre no “mundo lá fora”, especialmente o setor agropecuário que historicamente responde por parte relevante da pauta exportadora brasileira e cujos insumos produtivos e maquinário são predominantemente oriundos de firmas estrangeiras.